Numa das minhas turmas no Curso Normal, encontrei alunos que não sabiam dividir e os que sabiam, nunca tinham visto uma justificativa do processo. Fiquei preocupada, pois o algoritmo é útil para cálculos não cobertos pela tabuada e não tão complicados que exijam a calculadora, ou em exames em que a calculadora não seja permitida. Além disso, o uso do algoritmo é uma oportunidade para a prática da estimativa.
Considero também muito importante que o aluno tenha visto uma justificativa do processo utilizado, ainda que não saiba repeti-la.
O entendimento dos passos do algoritmo pode ser ilustrado, em exemplos, com uso de dinheiro e o respectivo registro em papel. Conforme a idade e o amadurecimento do estudante, pode ser preciso usar réplica de notas e moedas, mas, para os meus alunos, já adolescentes, só a ideia de usar o dinheiro já foi suficiente.
Justificando o algoritmo longo: Pedi aos alunos que se colocassem num país em que as notas são de 1 real, de 10, de 100 e de 1000 reais. Que se organizassem em grupos de 4 alunos. O problema dado aos grupos foi o de montar uma certa quantia com o menor número possível dessas notas e um dos estudantes iria distribuir igualmente essa quantia entre os 3 outros colegas, sempre usando o menor número possível de notas. As quantias indicadas aos grupos foram 648 reais, 436, 257 e 408 reais que seriam divididas por 3.
A primeira questão foi sobre começar pelas unidades (notas de 1 real), ou pelas centenas (a nota de maior valor). Por exemplo, ao dividir 436 por 3, o grupo que começou por distribuir as 6 notas de 1 real, distribuiu, para cada um dos 3 colegas, 2 notas de 1 real, 1 nota de 10 reais e 1 nota de 100 reais. Sobrou, porém, 1 nota de 100 reais e ficou claro que ainda seria possível distribuir mais notas de 10 reais entre os três. Foi preciso retornar às dezenas. Os próprios alunos concluíram, então, que, no algoritmo da divisão, o mais simples é começar pela ordem mais alta, ao contrário do que faziam nos algoritmos das operações anteriores: adição, subtração e multiplicação.
Estabelecido isso, os grupos teriam que completar a divisão e registrar cada passo. Ficou claro que notas de maior valor que sobrassem, por serem menos que 3, deveriam ser trocadas por notas de valor imediatamente inferior e juntadas àquelas desse mesmo valor que já faziam parte da quantia inicial (se houvesse alguma). No registro numérico, isso significou juntar à direita do resto o algarismo seguinte. Uma outra observação foi que, no grupo que pegou a quantia de 227 reais, não foi possível distribuir notas de 100 reais. O processo já começou pela troca das 2 notas de 100 por notas de 10 reais que foram acrescidas das 5 notas de 10 reais que já faziam parte da quantia inicial
Todos tiveram, entretanto, uma dúvida: a cada passo, com as notas em mãos, o resto correspondia às notas que não mais poderiam ser distribuídas por serem em número menor do que 3. Sem as notas, porém, como saber quantas entregar a cada um e quantas sobrariam em cada etapa?
Pensando um pouco, os grupos concluíram que, sem as notas em mãos, havia uma nova etapa: a avaliação de quantas notas poderiam ser entregues a cada um.
Perceberam também que precisavam saber qual o total das notas distribuídas de cada vez e que, dado o número de notas que cada um recebeu, saber quantas foram distribuídas ao todo seria um problema que se resolve com uma multiplicação. Para saber, então, qual é o resto a cada passo, bastaria multiplicar por 3 o que cada um acabou de ganhar e subtrair do que havia para ser distribuído. E isso deveria ser feito em cada etapa.
Meus alunos acabaram por perceber todos os passos da divisão:
3. Fazer a multiplicação do quanto coube a cada um pelo divisor.
4. Se o produto for maior do que a quantia que havia para ser distribuída naquela etapa, a avaliação tem que ser refeita, voltando ao item anterior.
5. Sendo o produto menor, será preciso subtrair esse produto do que havia para ser dividido naquela etapa.
6. Se o resto for maior do que o divisor, a avaliação também terá que ser revista, voltando ao passo 3.
7. Se o resto for menor do que o divisor, ele deverá ser acompanhado do próximo algarismo na quantia inicial (se houver) à sua direita: esse registro equivale a trocar as notas restantes numa etapa por notas de valor imediatamente inferior e juntá-las às notas de mesmo valor que faziam parte da quantia original. Conclusão imediata do valor posicional no nosso sistema decimal.
8. Voltar ao passo 2, com a nova quantia assim formada e repetir o processo.
9. Esse processo termina (na divisão com quociente inteiro), quando o algarismo da unidade já entrou na quantia a ser dividida.
Entendidos esses passos, foi preciso usar a nomenclatura própria de dividendo, divisor, quociente e resto e indicar a posição que cada um desses números ocupa no algoritmo.
Uma compensação desse trabalho com os alunos é a maior facilidade que os alunos adquirem ao lidar com o 0 na divisão. Todo professor sabe que numa divisão como por exemplo, 615 por 3, haverá muitas respostas 25. O aluno que passou pelos passos anteriores, está mais preparado para estranhar que as 2 primeiras “notas” não sejam de 100 reais e vai perceber que as notas que faltam são as “notas de 10 reais” e não as de 100 e que, portanto, o resultado é 205. Além disso, ele já está mais acostumado a fazer avaliações em divisões, o que pode servir de alarme quando uma divisão de mais que 600 por 3 não der um resultado maior do que 200.
Uma outra vantagem de apresentar a justificativa desse processo é que a continuação da divisão não exata para obtenção de um quociente com parte decimal fracionária nada mais é que o prosseguimento do processo de trocas – agora, das notas de 1 real por moedas. É conveniente que, no país em que estamos fazendo os cálculos, haja moedas de 1 decavo (1 décimo do real – a nossa moeda de 10 centavos) e de 1 centavo.
Para passar deste ao algoritmo curto, seria ainda preciso mostrar como a multiplicação e a subtração são feitas ao mesmo tempo, algarismo por algarismo. Nesse caso, a subtração é feita “de baixo para cima”. Daí, é recomendável que o professor que pretenda usar o processo curto na divisão, tenha escolhido o processo da subtração também “de baixo para cima”.
Hoje em dia, porém, quando as calculadoras são bastante acessíveis, não creio que faça muita diferença usar o algoritmo longo ao invés do curto. E o longo fica bem mais fácil, pois as operações de multiplicação e subtração seguem os mesmos passos estudados anteriormente, com uma ligeira mudança na posição dos dados. É preciso lembrar também que, ao utilizar o processo curto com um divisor de 2 algarismos, a multiplicação e a subtração, imbricadas passo a passo, se tornam ainda mais complicadas. A maior facilidade do algoritmo longo se manifesta mais claramente, nesses casos.