segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

E o ENEM?

Carta enviada à escritora Lya Luft (*)

Prezada escritora Lya Luft:
Sou professora de Matemática e dou-lhe meus parabéns por focalizar o ENEM(**) (O Enem de novo, Revista Veja de 9 de novembro de 2011, p.24: Acervo Digital VEJA - Digital Pages). É importante, porém, registrar que há problemas ainda muito mais sérios a resolver nesse exame do que os de organização que foram apresentados em sua crônica.
Antes de mais nada, sua observação, muito própria, sobre a eventual dificuldade de concentração provocada por esses problemas, lembrou-me uma das angústias que esse exame me tem provocado: nesse exame, o aluno que tentar concentrar-se não chegará ao final das questões. De acordo com as instruções, ele tem 4 horas para ler mais de 30 páginas, com 90 questões e 5 alternativas em cada questão. Isso dá menos de 8 minutos por página, com média de 3 questões por página, com 5 alternativas cada, para ler, pensar em cada uma delas e escolher a resposta certa.
Em nome de poupar a memória, de contextualizar as questões e, conforme foi dito por autoridades, de desenvolver a prática da leitura, as questões têm enunciados enormes. Essa imposição à leitura pode provocar o treino de leitura rápida, mas dificilmente é a hora e o local para desenvolver o gosto pela leitura e pouco estimula a reflexão.
Acresce ainda o fato de que a matéria indicada, por exemplo, na  
Matriz de Referência de Matemática e suas Tecnologias  (Anexo III, em
 http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/edital/2011/edital_n07_18_05_2011_2.pdf) tem um caráter muito vago, que, pelos títulos, refere-se a temas do nível fundamental, a menos dos números reais. Além disso, quais são essas misteriosas Tecnologias da Matemática que só aparecem no título?
Há ainda questões mal formuladas como, por exemplo, a questão de número 169 no caderno rosa de 2011. Essa questão apresenta o resultado de uma pesquisa em que não há informação sobre quase 20% dos domicílios pesquisados. Essa falta de informação impede o cálculo da probabilidade solicitada. Uma prova para 4 milhões de estudantes, que pretende ser o portal de entrada para qualquer universidade do país e que já está influenciando os rumos do ensino básico, não pode apresentar erro tão evidente.
As universidades já estão reclamando da falta de preparo dos ingressantes, tendo que, muitas delas, incluir cursos preliminares de Matemática. Acabamos de ver num tele-jornal a observação de uma professora em escola de enfermagem, de nível médio, que afirmou ser preciso trabalhar operações aritméticas antes de focalizar os temas específicos. A continuar a vigorar este exame, que não cobra conhecimento acumulado, realizado antes de dezembro, o que permite, àqueles que podem viajar, o gozo pleno das férias, nosso ensino básico irá, ainda mais, ladeira abaixo. Não tenho dúvidas sobre isso.
É preciso reagir, privilegiar o estudo, a reflexão e reconhecer o prazer de aprender.
Esperamos contar com os formadores de opinião em nosso país para que essa reação aconteça o quanto antes.
Muito grata,
                                                     Alcilea Augusto.

(*): a publicação desta carta, neste blog, foi aprovada pela escritora.
(**) ENEM = Exame Nacional do Ensino Médio, aplicado aos alunos que terminam os 12 anos de Educação Básica.

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