domingo, 25 de março de 2012

A, ante, após, até ... e a tabuada...

Minha mãe nos contava que, quando ela era pequena e passava nas calçadas de escolas, ouvia as crianças cantando a tabuada. O tempo foi passando e, lá pelos anos 60, soube de professoras da Escola Normal Caetano de Campos, em São Paulo, que sugeriam aos pais que comprassem as tabuadas para seus filhos. Elas pediam que as crianças decorassem a tabuada, mas não a levassem na mala (naquele tempo, não havia mochilas). As tabuadas eram condenadas por lá e as professoras seriam advertidas.
Resultado: adolescentes envergonhados fazendo contas com dedos embaixo das carteiras! E o pior: demorando muito para fazer qualquer cálculo, o que desequilibra as previsões de tempo gasto nas provas.
Pior ainda: tiram o gosto pela resolução de problemas que se torna uma tarefa por demais árdua.
Enquanto isso, assistimos estarrecidos a entrevistas na televisão de professores que vendem CD, em que fórmulas de Física e Química são cantadas e decoradas sem qualquer explicação ou significado! Professores fazem propaganda desse recurso na preparação de jovens vestibulandos.
Quem foram os culpados de eliminar da nossa vida estudantil a memorização da tabuada? 

Não sei, mas será assim tão difícil perceber que foi um passo atrás? 

Havia a alegação de que não adiantava decorar sem que se soubesse para que serviria. Não são excludentes, pelo contrário, são complementares: não adianta decorar sem saber para que serve, mas não adianta saber para que serve, sem conhecer o objeto.

Quando éramos crianças, minha irmã, que seria mais tarde uma tremenda professora de música, me fazia decorar muita coisa cantando. Assim é que, até hoje, sei enunciar todas as preposições: a, ante, após, até, ... e, em, exceto, mediante, ... . Fui do tempo do Latim nas escolas e, sob a batuta da minha irmã, declinava, sempre cantando: Qui, Quae, Quod, Cuius, Cui, ... e posso repetir até hoje.
Nas igrejas batistas, há o interesse em decorar muitas passagens bíblicas, na idade entre 9 e 11 anos. Há organizações de adolescentes em que a promoção de um passo a outro é feita de acordo com a memorização de versículos da Bíblia. 
Tudo para aproveitar a idade em que os fatos na memória permanecem por mais tempo.
Estudos sobre a memória foram muito desenvolvidos nestes anos, mas não há dúvida sobre a vantagem de guardar de memória, bem cedo, fatos que serão úteis pelo resto das nossas vidas. O vocabulário e a tabuada fazem parte desses.  

Por que não podemos voltar a cantar a tabuada?

Quando percebi que meus alunos do curso normal não sabiam a tabuada, pedi às turmas que fizessem um rap com algumas tabuadas. Foi uma experiência interessante, mas eles inventaram letras muito complicadas e não estou muito certa de que o objetivo principal tenha sido atingido. Ficou a ideia para que repetissem a experiência com seus futuros alunos.
Hoje em dia, ainda não se fala muito em tabuada, mas muitos concordam que os “fatos básicos” das quatro operações sejam conhecidos. Tudo bem, esse é um outro problema que me intriga – a frequente mudança de nomes para coisas antigas – mas já me acostumei a ceder nos nomes para manter os princípios.

Procurando informações sobre a tabuada, vi, no Google, que já há muitas cantigas com tabuadas, mas não ouço essas músicas nas calçadas, nem vejo as crianças sabendo quanto seja 7 vezes 8.

terça-feira, 6 de março de 2012

Diferente, mas não é igual?

Um colega, professor titular num Departamento de Matemática, escreveu-me sobre um fato que aconteceu numa reunião de pais e mestres na escola de um filho seu. Uma professora falou da necessidade que os alunos têm de entender que 2x3 é "totalmente diferente" de 3x2.
A mensagem do colega continua: Aí perguntei se eventualmente eles iriam ser ensinados que o resultado dá igual. Os professores tendem a confundir o que eles precisam entender com o que os alunos precisam aprender.
Reconheço que isso acontece mesmo e muito. Mas quem precisa passar essa distinção aos professores de sala de aula, são os formadores que, de dentro da Universidade, se ocupam do Ensino Básico. É uma pena que as Secretarias de Educação, dos Estados e Municípios, não tenham suas próprias equipes com as regalias dos professores da Universidade, que possam participar de Congressos, que possam trazer professores estrangeiros com quem troquem experiências, que disponham de bibliotecas especializadas e de tempo para estudo paralelo às atividades didáticas. É uma pena que os cursos de Licenciatura não tenham um espaço próprio dentro das Universidades, em que a principal preocupação seja a qualidade do ensino básico, ao invés de ficarem “atrelados” aos bacharelados que absorvem maior parte das atenções.
Nem sempre os professores que dão 40 horas-aula, ou mais, por semana, terão condições de analisar e distinguir o que é preciso exigir dos seus alunos e o que é excesso de preciosismo, ou mesmo o “canto de um galo” de local desconhecido.
Fico com pena dessa professora – que talvez nem esteja muito convencida de que 2x3 seja mesmo diferente de 3x2 – ter que ensinar isso aos seus alunos para depois colocar um sinal de = entre eles. Não é por acaso que eles têm dificuldade em compreender tal coisa.
Talvez seja por isso que meus alunos não acreditavam muito no sinal de igual. Eles me perguntavam, com frequência e certa relutância, se podiam substituir, por exemplo, 1/4 por 0,25.
O pior de tudo é que nem acho que 2x3 seja diferente de 3x2. Quando escrevo 2x3 ou 3x2, estou me referindo ao resultado da operação. E, até onde sei, a multiplicação leva ambos os pares (3,2) e (2,3) no número 6. Como diria um carioca legítimo: Né não? 
Disse, lá em cima, que fico com pena dessa professora, pois já encontrei colegas que exercem liderança em Educação Matemática, que fazem questão de distinguir esses 2 produtos (O produto não é o produto? O resultado?).
Claro que somar 3 parcelas iguais a 2 é uma operação e somar 2 parcelas iguais a 3 é outra operação, mas quando se escreve 2+2+2 ou 3+3 ou 2x3 ou 3x2 estamos nos referindo aos resultados que são um só e é por isso que podemos encaixar o sinal de igual entre eles.  
Quando quero conversar com uma criança sobre multiplicação, gosto de olhar para o chão, procurar um retângulo formado por lajotas retangulares do mesmo tamanho, colocar a criança de um e de outro lado, para que ela veja que pode calcular o número total de modos distintos e obter o mesmo valor. 
 
Os professores de sala de aula, aqueles que têm sobre si a responsabilidade de introduzir a criança ou o adolescente ao mundo da Matemática, são bombardeados por questões que só farão sentido em estudos posteriores. São detalhes que não fazem sentido para quem não for adiante e que, mais tarde, se preciso for, serão rapidamente apreendidos numa situação de contraste e com maior maturidade. Por exemplo, a propriedade comutativa da multiplicação vai fazer sentido completo quando o estudante vir uma que não o seja. Por exemplo, quando multiplicar matrizes.
De início, a comparação com a subtração e a divisão, no campo dos números naturais, tem o “pé quebrado”, pois, antes de ter resultados distintos, não é possível comutar - uma delas perde o sentido. Você não pode trocar o 3 com o 9 em 9 – 3 ou em 9 dividido por 3, nos números naturais, porque não é possível calcular 3 – 9 nem 3 dividido por 9. Por isso, não considero muito convincente essa comparação, antes de entrar no campo racional, com números positivos e negativos.
Faço um apelo aos meus colegas da Educação Matemática ou autores de livros que, por acaso, cheguem a este blog: no nível básico, vamos ficar na Matemática que faz sentido! Vamos fazer questão que nossos alunos entendam esse significado e que desenvolvam seu raciocínio com argumentos lógicos encadeados e não com “ordens” cujo significado eles não podem ainda alcançar, por falta de convivência com exemplos significativos ou mesmo, por falta absoluta de necessidade. Vamos escolher temas que dêem mais autonomia ao nosso colega professor da educação básica e não espalhar preconceitos que nada constroem.